quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Olá a todos!
Finalmente consigo ter um pouco de tempo para entrar no Blog
Espero voltar em breve com algumas linhas... Para não perder o fio á meada...

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

A Toupeira e o Rato Voador

Sentado num auditório cheio, sentiu-se sozinho. O orador fazia uma lavagem cerebral sobre uma das empresas que patrocinara o evento. O poder dos patrocinadores sempre o impressionou. Fornecem o dinheiro e ficam com o poder de se envolver no evento, tornando-o aborrecido, enfadonho, vazio. Nesta altura perguntou-se o que fazia ali. A mente assemelhava-se a uma película de cinema, passando imagens velozmente. Pensava no tempo perdido inutilmente, na “obrigação” de estar preso e voou na história.





A Toupeira e o Rato Voador

Na terra verde azeitona da Calipómia existiam duas criaturas. Uma toupeira que vivia no interior da terra, sempre a escavar, a usar outros sentidos para além da visão, no meio da humidade, dos vermes, da escuridão. Por ironia não havia animal mais limpo, o pelo e as suas garras estavam sempre brilhantes, apesar de toda a imundice em que habitava. E o rato voador, este tinha toda a liberdade do espaço, o céu era o limite. Voava e vagabundeava conforme lhe apetecia, mas não tinha amigos, o pelo apesar de limpo tinha sempre um cheiro desagradável, afastando outros seres.
Uma noite a toupeira veio à superfície, gostava de sentir a brisa, o vento nas faces, sonhar com a luz que não podia suportar e principalmente com a possibilidade de voar. Mesmo a sonhar o focinho, perscrutava a escuridão à procura de qualquer indício de predadores ou outros seres. Gostava de saber todas as novidades que aconteciam fora do seu habitat e por isso sempre que podia entabulava conversa. Repentinamente o seu olfacto apurado, detectou um cheiro bastante desagradável, mas como a curiosidade era superior ao desconforto, deixou-se ficar alerta.
Passados poucos segundos, vindo do céu o rato voador pousava as suas patas no solo. Estava com um ar desolado e alienado, lentamente dirigiu-se para um tronco. Sentou-se e começou a chorar, com a voz embargada pelas lágrimas.
- De que me serve voar, conhecer todo o mundo, saber todas as novidades se não tenho amigos? Poder sentar-me e conversar, desabafar, partilhar as minhas histórias e ouvir as de outrem. Haverá algo mais gratificante?
A toupeira ouviu o apelo de solidão e apesar de renitente inicialmente, aproximou-se tocando-lhe. Este lentamente parou de chorar, limpou as lágrimas e levantou a cabeça, à sua frente estava a toupeira de olhos semi-cerrados, a olhar. Ficou confuso, nunca nenhum ser se aproximara tanto de si. Vencendo a surpresa inicial, articulou finalmente.
- Que fazes aqui? Como consegues estar tão próxima, apesar do meu odor pestilento?
- Porque sou curiosa por natureza. Gosto de falar com outros seres, saber novidades do mundo e nunca vi nada que se assemelhasse, um rato voador.
- Pensas então que sou um bicho raro, que deve ser admirado?
- Antes de admirado, respeitado. Não te conheço, não te posso admirar apenas por voares. Ainda para mais se foi um dom com o qual nasceste?
- Sim foi…és ponderada, racionalista e bastante serena.
- E sonhadora, optimista e curiosa…
O rato durante uns momentos calou-se e fixou o olhar no vazio, como se mergulhasse em profunda introspecção. De repente voltou a si.
- Toupeira, vives nas profundezas e és um ser feliz. Eu por meu lado vivo com toda a liberdade e sou uma imagem tua mas assimétrica. Ensina-me a ser como és!
- Ensinar-te a ser feliz? Isso não existe, nem é possível de ensinar. O que posso fazer é passar algum tempo contigo e ensinar-te a ver a felicidade em pequenos momentos, em pequenas coisas, coisas simples e diárias. Depois de observares, trilharás o teu caminho.
Iniciou-se uma nova fase na vida de ambos, mas principalmente do rato voador. A pouco e pouco foi descobrindo os pequenos prazeres. A aurora, as gotas de orvalho nas folhas, os reflexos nos charcos, o vento a murmurar entre árvores, os anéis dos cogumelos, o pôr-do-sol e nascer da lua, o silêncio quebrado pelo riso, pequenas conversas. Tinha pela primeira vez um amigo, ou melhor amiga, neste caso. Finalmente podia relatar a alguém todas as suas experiências, demonstrar a sua inteligência e aprender a ser paciente e mais atento. A toupeira, ouvia histórias de países e reinos distantes, fechava os olhos e com as descrições divagava com a mente. A relação dava pequenos passos, tornava-se forte como uma parede de titânio resplandecente em tons de prata. Certo dia, a meio de uma conversa.
- Toupeira, eu sei o quanto sonhas com voar. Queres voar comigo, para saberes qual a sensação?
A toupeira inicialmente ficou sem reacção. Não acreditava no que ouvia. Voar? Seria verdade? A mente carburava a todo o vapor, debitava pensamentos soltos. Sim, não, concretização de um sonho, medo de sentir a “luz” e não se voltar a adaptar à escuridão, amizade, dúvida…
Vendo que estava confusa, o rato prosseguiu.
- E para te sentires mais à vontade que tal uma permuta? Passas um dia comigo a voar, desculpa, noite no teu caso. E eu vou contigo para debaixo de terra, para as profundezas.
As dúvidas finalmente dissiparam-se, qual nevoeiro que é rasgado pela luz.
- Amadureceste, estás pronto para ser feliz, ou melhor para teres momentos de felicidade na tua vida. Aceito, afinal nada melhor que experimentar-mos o meio em que vivemos para sentir se ele nos molda, ou se molda conforme a nossa vontade.
Nesse dia a toupeira levou o rato para as profundezas, para a escuridão, para as trevas. Mostrou-lhe que mesmo num meio imundo existe beleza. A perfeição das galerias escavadas por ela e pelas suas irmãs, os formigueiros que trabalhavam com a precisão de um mecanismo de corda, os charcos e as grutas onde habitavam estranhos seres, que nunca viram a luz. Raízes e plantas de odores delicados e sabores adocicados. As horas passaram e o dia foi dando lugar à noite, rato e toupeira voltaram para superfície, onde encontraram uma noite de verão auspiciosa. Sentiram a aragem suave que corria e deixaram a terra, voaram juntos durante horas, qual estrelas cadentes. Do céu a toupeira via como o mundo se tornara amplo, livre sem peso; voaram ao lado de bandos de pássaros, furaram nuvens, sentiram os aromas e os sons da noite, percorreram distâncias.
Até que do nada ouvi-se PUM! PUM! Um tiro perfurou o rato voador e a toupeira simultaneamente e começaram a cair em queda livre. Felizmente no meio da dor e do pânico, conseguiram aterrar violentamente no meio da erva. Percorreram metros aos trambolhões, até se imobilizarem finalmente, no chão jaziam toupeira e rato voador. Momentos passaram a toupeira voltou a si e apesar de trôpega e a sangrar abundantemente arrastou-se até ao rato voador. Quando o viu soltou lágrimas, ele ainda respirava, mas com muita dificuldade.
- Fala comigo! Estou aqui! Hoje fizeste-me ver a luz, já não vou morrer na escuridão!
O rato voador, apesar da voz arfada e pesada, sorriu e respondeu.
- Eu hoje conheci a escuridão que me permitiu finalmente ver, que vivi na luz! Graças a ti vi-a finalmente!
Porque a vida é como é! Segue o seu curso natural, impávida e serena, alheia à vontade de cada ser.


Final Versão alternativa

A noite foi perdendo intensidade, o negro foi-se tornando azul-escuro quase negro, até começar a amanhecer. A toupeira fez sinal para descerem, estava na altura de voltar para a escuridão. Pousaram as patas no chão e olharam-se profundamente.
- Fizeste-me ver a luz! Mesmo que viva na escuridão, vou guarda-la no coração.
- Sempre vivi na luz mas sem ver a escuridão, nunca o soube. Graças a ti vi finalmente a iluminação.

Dedicada a todas as crianças existentes em cada um de nós.
Por vezes é bom haver finais felizes.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

A um amigo que teima em chamar-me amanuense


Deitada no sofá do consultório, sem saber muito bem o que me levava àquele 5º andar, deixei escorregar alguns lamentos que justificassem a afronta dos honorários.

Queixei-me da vida, das prestações da casa, do carro, dos colegas de escritório, do trabalho, das imprecações do chefe, do tempo, da falta dele, das rotinas, das solidões, das noites mal dormidas, dos silêncios atormentados, das dores das incompreensões, das censuras injustificadas, dos insultos contundentes, dos reparos incautos e levianos.


- Precisa de férias, aconselhou o dr. Torres com um arqueamento de sobrancelhas que concedia uma certeza científica a um mero acto de bom senso! Vá para longe. Escolha um destino onde se fale indiano, crioulo, chinês, esperanto! Fique por lá uns tempos, aprenda a língua dos nativos. Esqueça o seu nome, a sua morada, os seus hábitos, os seus amigos. Conte outra história, rasgue a sua certidão de nascimento, queime o seu assento de baptismo. Vai ver que vai melhorar dos tremores, das sezões!


Pareceu-me sábio, convincente, o parecer médico.
Paguei a consulta e galguei os 5 andares numa determinação profunda.
A partir daquele dia apagaria para sempre a minha identidade.


De V. Ex.ª atentamente se despede,
Maria Amanuense.
Para sempre!

Elegia a um cigarro


No silêncio da noite
Chegas ... Lento ...
E sentas-te comigo à mesa.

É quando te demoras
Sem perguntar se podes.

E olhas-me nos olhos.
E abraças-me ... oferecendo-te.
E provocas-me.
E sufocas-me.

Viciei-me na lua
Só para te esquecer.



Foi em 7.Nov.2004
com saudades de um cigarro!

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Porque está frio ....

Quando está frio no tempo do frio, para mim
é como se estivesse agradável,
Porque para o meu ser adequado à existência
das cousas
O natural é o agradável só por ser natural.

Aceito as dificuldades da vida porque são o destino,
Como aceito o frio excessivo no alto do Inverno -
Calmamente, sem me queixar, como quem
meramente aceita.
E encontra uma alegria no facto de aceitar -
No facto sublimemente científico e difícil de aceitar
o natural inevitável. (...)

Alberto Caeiro, "Poemas Inconjuntos"

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Que este espaço continue a ser uma sala cheia de frases penduradas na parede e que cada um deixe aqui um pouco de si, um pouco de nós.

Faz falta o chá. As conversas no intervalo.
Mas há sempre mais palavras para escrever.

Catarina Costa

sábado, 29 de novembro de 2008

No Mundo da Escrita Criativa, I


Entrou na sala e sentiu um ambiente descontraído. O grupo era bastante heterogéneo, não havendo uma faixa etária dominante, antes várias faixas que criavam uma mescla entre a maturidade e a juventude.
A professora apresentou-se, falando da Mandala e de como esta seria importante, nos dez minutos que se seguiriam. O objectivo? Colori-la durante esse tempo, para deixar as preocupações do dia-a-dia de parte, relaxando as mentes menos descontraídas.
- Escolham uma das cores, com as quais pintaram a Mandala e escrevam quatro frases, para cada um destes tópicos. Dessas dezasseis escolham uma, escrevam-na na Mandala e leiam em voz alta.

O (cor escolhida) é...

Há (cor escolhida) que são....

Com (cor escolhida)...

Quero que (cor escolhida)....


Para as pobres mentes racionalistas estas pequenas tarefas, eram um pequeno contra-senso. Mas porque motivo estou a fazer isto, interrogavam-se. Sem contemplações, a professora ia debitando indicações:

- Agora cada um de vós, apresenta-se e escolhe uma profissão fícticia para os próximos minutos. De preferência fixem os nomes uns dos outros, se tal não for possível digam a profissão, quando se dirigirem a essa pessoa.

Passados curtos instantes, para além de dez pessoas comuns, existiam:

1 carteiro
1 florista
1 cozinheira
1 ginasta
1 pianista
1 Chefe de Cozinha
2 bailarinas
1 Ilusionista
1 viajante

A risada e boa descontracção eram gerais, sendo o relaxamento o estado de espírito dominante.

- Temos aqui dez postais, a maior parte de quadros famosos. Gostaria que circulassem de mão em mão, e que escrevessem as primeiras palavras que vós viessem à cabeça, sobre cada um deles. O grupo impõe o ritmo, se estiverem a acumular postais estão a ser lentos; se os despacharem muito rapidamente, é porque estão demasiado acelerados.

Os postais foram circulando um a um, de mão em mão até darem a volta completa. Uma das pessoas foi escrevendo:

- O melhor de Klimt

- Dormia serena a dama cor-de-rosa

- Estrelas no céu, iluminação na terra

- Três moinhos de vento, quem me dera ser como ele

- Istanbul, vermelho, azul, verde

- Venham cá que eu não vós faço mal...

- Lembra-me Miró, o “puto” artista

- Estrelas há muitas, pedras azuis também

- Vermelho na paisagem, beija-me amor

- Cores do mundo, traços de linearidade

- Já escreveram? Agora sublinhem palavras ou frases que vós despertem a atenção.

- Bem já todos sublinharam, não já? Então a partir de agora tem cinco minutos para fazerem um texto onde essas palavras apareçam.

A surpresa foi geral, mas o tempo era implacável. Triturava cada segundo sem remorsos, só se ouvindo o som das canetas a riscarem o papel freneticamente.

“Dormia serena, enquanto as estrelas no céu iluminavam a terra. Sonhava com o vento, gostava de ser como ele. Passar pelo globo terrestre, demorando-se um pouco mais quando se sentisse cansada.
Istanbul, Bucareste, Sófia... Europa, África, Américas, Oceânia e Ásia, queria passar por todo o globo, fazer 1,2,3..infinitos planisférios.
Ao mesmo tempo falar com as pessoas, venham ao pé de mim não vos faço mal, sou apenas o vento. Ver as pedras azuis, roxas, castanhas, amarelas, verdes. O vermelho na paisagem, as cores do mundo, traços de linearidade.
E no fim dizer beija-me Amor.”
Todos os textos foram lidos em voz alta. Havendo alguns excepcionais, pelo menos no entender dele. Palavras foram trocadas, ideias também e com esses momentos chegou o intervalo. Nesse intervalo enquanto a maioria das pessoas falavam umas com as outras, ele qual barata-tonta procurava uma folha sobre o bairro alto, onde se encontrava muita informação fragmentada. Infelizmente a busca revelou-se infrutífera, mas assim que a aula recomeçou a boa disposição voltou a invadi-lo rapidamente.

- Vamos fazer mais um pequeno exercício. Cada um rasga onze papéis e quando estes copos de plástico passarem à vossa frente, escrevem a primeira palavra que se lembrem relacionada com a que está escrita no copo. Deste modo e no final devem haver onze copos, cada um com onze papéis. Estes vão ser redistribuídos por todos, para que cada um fique com um papel de cada copo.

Os temas iam desde palavras compridas, curtas, passando por doces, dolorosas, acabando nas inventadas. Aqui fica um pequeno exemplo:


- Eu
- Tu
- Pena
- Azeitona
- Comprida
- Cáspite
- Água
- Sufocar
- Açúcar que derrete
- Sorriso
- Calipómia

- A partir de agora têm dez minutos para usar estas onze palavras num texto.

As canetas voltaram a ganhar vida, e o papel a gemer com o peso das mãos, que se agitavam velozmente. Parecia que estas tinham ganho uma vida própria, independente da mente que não fazia mais, que se deixar ir.

“Sufoco! Estou dentro de água. Não consigo sair. Estou perdido, tenho pena de mim! Pena? Ahahah, antes ódio por ter pena. Eu, tu, não tenhamos pena, antes ódio se não houver sorriso na Calipómia, que é como quem diz, a terra verde azeitona que habitamos.
Sinto uma cáspite comprida a enredar-me, estou perdido! Não! Estou salvo. Vou-me libertar do peso desta Calipómia que me oprime, que me esmaga, que me afasta do meu Eu.
Adeus!? Não! Até breve, para onde vou que é lado nenhum. O açúcar que se derrete, tornar-me-a mais doce também.”

Os novos textos voltaram a ser lidos à vez e as palavras foram ganhando voz e corpo ao sair de cada boca, que se abria e fechava numa sucessão ritmada e inconsciente.

- Bem, para terminar só peço mais duas pequenas tarefas. Que escrevam frases que comecem com forma:

Há dias em que...

- vivo
- sufoco
- rio
- pareço um robot
- sou mais eu
- mais irónico
- mais racional
- fantoche da mente
- alegre
- que me borrifo para os outros
- que quero fugir
- quero falar
- quero ouvir
- quero o silêncio
- quero o barulho

E que neste post-it escrevam a vossa frase da aula, e a colem junto de todas as que já ali estão na parede.

“Vermelho na paisagem, beija-me Amor.”